segunda-feira, 5 de abril de 2010

“I’ll be there for you…” Alguém ainda acredita no Bon Jovi? Parte 1

A abundância de letras com essa expressão (”Eu estarei lá para você”) revela nossa necessidade de acreditar em uma mentira. Cantamos repetidamente em várias melodias para esquecer de que o outro não estará lá para nós.

A lógica ilusória do “Você me deve uma”

Temos várias dinâmicas internas que nos passam despercebidas, mas são a própria lógica pela qual operamos, base para muitos pensamentos e ações. Uma delas se encontra em amigos e parceiros de negócio. Sempre que alguém faz um favor, sua generosidade despretensiosa é trocada por um favor futuro. Deixamos de ser generosos para ser espertos. Podemos não cobrá-lo de imediato, mas a relação se estabelece dentro de uma estrutura viciada, a ponto do outro se adiantar: “Valeu mesmo, cara, fico te devendo essa”.
Ironicamente, tal cobrança muitas vezes é muito mais lúdica do que real. Por ser verbalizada, ela acaba sendo espontaneamente transgredida. A cerveja que pagamos é rapidamente esquecida, o favor entre empresas fica como cortesia, a amizade ou a parceria se aprofunda com base na própria generosidade, que a princípio parecia descartada.
Em um casal, muitas vezes esse filme tem outro desfecho. O altruísmo interesseiro que declaramos sem vergonha a outras pessoas é mascarado por uma suposta generosidade desinteressada. Ajudamos o outro, estamos lá durante as mortes na família, investimos tempo, ouvimos, abraçamos, vamos de um lugar a outro, oferecemos, oferecemos, oferecemos. Temos vergonha de admitir, mas ao fazer tudo isso esperamos, sim, algo em troca. Até mesmo o sacralizado amor materno sofre desse mal.
Seria melhor dizermos logo de cara – ludicamente – “Você me deve uma” do que nos fingirmos de sábios e acabarmos como bebês carentes cobrando o outro por tudo aquilo que nós oferecemos tão bem e ele não.
Sempre que construímos algo sem perceber, ou seja, sempre que entramos num filme sem perceber que é um filme, nos tornamos vítimas fáceis do sofrimento. Cobrar sem saber que está cobrando é como sair de casa e deixar dentro um macaco histérico: ele vai bagunçar tudo. É por isso que construir ludicamente é melhor, mesmo quando parece algo menos amoroso ou sábio. A gente cobra e vê que está cobrando. Levamos o macaco nos ombros e brincamos com ele.
Jogar limpo, sem vergonha de nosso espírito interesseiro, é o melhor caminho para explicitar a verdade e deixá-la brilhando na porta da geladeira, como um lembrete diário. Experimente afirmar em voz alta: “Ei, você me deve muita coisa!”. A frase já sai ridícula, patética, forçada, sem sentido algum. E é essa piada que nos comanda silenciosamente por dentro.
Evitamos falar para não ouvir, evitamos cobrar para não perceber o óbvio: por mais que você tenha feito de tudo para seu parceiro, ele nunca deve nada para você.

O outro não vai estar lá para você

“Whenever you need me, I’ll be there

I’ll be there to protect you, with an unselfish love that respects you

Just call my name and I’ll be there”


Piada ou não, o fato é que nós não resistimos e eventualmente abrimos a boca, esquecemos da pose generosa e, pronto, despejamos nossas expectativas, cobranças e interesses em cima do outro. É como se tivéssemos uma planilha de ROI. Secreta, pra piorar. O outro sequer sabe do que está sendo cobrado!
É bonito de se ver. A gente pode espernear, exigir, cobrar, mas nosso parceiro é livre, anda com os próprios pés, tem uma vida própria. Perceber essa autonomia e liberdade é justamente o que nos enche de tesão ao nos sentirmos desejados pelo outro (que poderia estar com outra pessoa, mas nos escolheu) e também o que nos deprime quando a coisa se inverte, quando seu desejo aponta em outra direção.
“Vamos viajar esse fim de semana?” ou “Pensei em deixar nossos filhos com meu irmão e ficarmos com a casa só para nós”, ela diz. E ele: “Não rola, preciso resolver umas coisas”. Ela pode pensar que ele não mais a deseja, mas o fato é que ele está em outro lugar. Nada demais, ou melhor, o suficiente para um grande incêndio.
Aquela semana que ela mais precisa dele é exatamente a semana em que ele não está focando nela.
Ele olha para sua planilha de grandes feitos e pensa: “Já passei dias no hospital com o tio dela, paguei as últimas quatro viagens inteiras, fui o último a dar presente, ajudei nisso, fiz aquilo, bom, tenho créditos para alguns meses ainda”. E então se dedica mais para seus projetos, esperando alguns meses de compreensão de sua mulher.
Ela olha para sua planilha de ROI e conclui: “Eu fiz muito mais do que ele, eu me dedico muito mais, só Deus sabe o quanto de amor e carinho já investi nessa relação… E agora ele fica distante assim? E ainda quer que eu entenda? Entenda como, me diz?”.
São diversas cenas possíveis. A mulher fica grávida, o sexo diminui e o marido acaba transando com outra. O cara passa por um período de confusão, perde energia e libido, então a mulher reclama para um amigo que termina jogando-a contra parede e fazendo tudo o que o marido está incapaz de fazer. A namorada se deprime, o cara não aguenta mais e fica agressivo no momento em que ela mais precisa de cuidado. Exemplos e mais exemplos diários de homens e mulheres que não estão lá.

O desafio de andar junto

No começo, tudo o que desejamos é andar em direção ao outro. Em suas primeiras noitadas, o casal mal consegue andar na rua. Demoram vários minutos para percorrer o mesmo trecho que anos depois vão cruzar em segundos. Ficam se abraçando, com vontade mesmo de ir um contra o outro. No dia seguinte, não importa por onde o outro andou, mas o quanto ele quer vir em nossa direção e o quanto queremos ir até lá.
A paixão funciona como uma noite de sexo que dura meses (às vezes anos)… até que chega a manhã seguinte.
Ela sai mais cedo porque tem uma reunião decisiva. Ele sai um pouco depois para mais um dia de trabalho. Ela está indecisa em relação ao tema do mestrado. Ele se preparando para uma viagem que vai mudar sua vida. Passa o dia e tudo o que fizeram foi andar, não mais em direção ao outro, mas com seus próprios direcionamentos. No lugar de uma lua romântica em comum, dois horizontes distintos.
O casal, então, descobre esse prazer maior de seguir junto, de avançar com um casal. Eles aprendem a andar de mãos dadas mesmo à distância. Compartilham mapas, mundos, signos, brincadeiras, olhares, pedrinhas no chão. Tudo aquilo que servirá como bússola para não se perderem um do outro na manhã seguinte.
E até que isso dá certo, às vezes por um longo tempo. Quanto mais mapas e mundos, olhares e pedrinhas, melhor. Nada impede, contudo, as névoas e neblinas vindas sei lá de onde. E nem todas as manhãs são precedidas por uma noite de aparelhos GPS piscando no mesmo local, de entrelaçamento, de pé com pé. E tem também o nosso andar caótico pra complicar. Não temos um só horizonte, temos dezoito.
Outra cena bonita de se ver. Quando percebemos o outro se distanciando 2 centímetros, às vezes agimos como pedintes, às vezes gritamos ou baixamos a energia, nos distanciando ainda mais. Só que o outro não achou que estava longe, mas agora vê nosso distanciamento (ou nossa cobrança ou nossos berros) e reage da mesma forma, se afastando. E então comprovamos: ele realmente não quer mais nada conosco!
É assim que um namoro acaba mesmo quando os dois querem continuar. Eles estão no mesmo lugar, mas se veem à distância. Ou acham que estão no mesmo lugar e quase morrem quando pegam o GPS e passam dias dando zoom out até aparecerem os dois pontinhos… Tão logo conseguem se aproximar, se agarram e fazem juras de nunca mais se afastarem.
Mas a manhã seguinte sempre chega. E os dezoito horizontes, o andar cambiante, a bússola desregulada. E a névoa e a neblina. (Cheguei a mencionar o ex-namorado?).

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