quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A logística do amor - Parte 2

Nossa mente é relacional

O que alimenta esse processo é nosso autocentramento e a ilusão de que existe uma mente fechada dentro de nossa cabeça, em vez de pensamentos e emoções que existem de modo impessoal flutuando como possibilidades por aí, que podem ser incorporadas ou apenas passear livres no espaço que somos. Nossa mente é relacional, ela se expande entre as pessoas, para dentro delas, entre locais e objetos.
Quando surge um problema, temos certeza de que ele é nosso ou do outro, que está dentro de alguma mente, não no chão, na cortina, no espaço entre pessoas e coisas. Como nos levamos a sério, vivemos emoções de modo pessoal e usamos nossos dramas para dar sentido à vida, é muito difícil admitir que a maioria dos nossos problemas mais sérios e gigantescos são frutos de detalhes (como uma cortina) e poderiam ser transformados com mudanças simples de logística.
Nossa mente não tem nada dentro. Ela é um olho que se posiciona aqui ou ali – aqui, vê uma perspectiva; ali enxerga outro universo. É por isso que uma cortina pode mudar nossa vida.
Entre um mendigo jogado na rua e eu, a única diferença é de posição, não de conteúdo mental ou “personalidade”. Em menos de uma semana passando frio, sem comer, eu teria os mesmíssimos pensamentos, o mesmo mundo emocional, a mesma personalidade. Possivelmente roubaria ou mataria alguém.
A logística de minha vida, minha rotina, meu trabalho, minhas roupas, meu apartamento, meus deslocamentos, tudo aquilo que penso não ser eu é muito mais responsável por minhas experiências do que consigo imaginar. Assim como meu namoro, que não é o laço entre duas subjetividades, mas a interface entre céus, chãos, armários, paredes, computadores, trabalhos, camas, agendas, futuros, passados, famílias, restaurantes, sonhos, banheiros, supermercados, carros, trejeitos, vassouras, panelas, livros, manias, escovas de dente…
O casal que já superou a necessidade excessiva por paixão e romantismo pode focar mais livremente nos recursos e nos fluxos que, de fato, possibilitam que a relação avance. Se ambos ainda estão preocupados com “Você gosta de mim? Você me ama? Você me deseja?”, uma conversa sobre morar em casas separadas é inviável. A ironia é que justamente essas mudanças logísticas, que podem provocar insegurança, salvam muitas relações – e, a longo prazo, só aumentam a confiança.
Basta questionar um pouco as convenções naturalizadas, basta quebrar processos automatizados, reconhecer e mexer na logística, para se surpreender com novos fluxos do amor, novos olhares de desejo, interfaces e toques que nunca foram explorados porque não havia suporte, horário, transporte, cama pra isso.
Casar e morar em casas separadas: “Você vem jantar e dormir aqui hoje?”. Ou dormir em quartos diferentes com duas camas de casal, sendo que às vezes uma delas fica vazia à noite toda. Não criar uma conta conjunta. Não casar, apenas morar junto. Casar e ficar solteiro, sem bloquear novas relações. Fazer regras por brincadeira e não fazer disso mais uma regra (nem dessa frase e nem desse parênteses). Ou fazer e esquecer, como dois caretas convencionais, por que não?
Mais do que isso, em cada detalhe, podemos olhar para as questões logísticas da relação, detectar obstruções e brincar de mover o sofá na nossa sala para ver em que parte do chão ainda não transamos. Aliás, isso de mover juntos o sofá é tão importante quanto transar no chão.
Enfim, possibilidades e mais possibilidades para quem não confia no amor e sabe que o horário do banho pode acabar com um relacionamento.
by Não2Não1

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